Tribunal Federal cassa recurso e prefeito de Pouso Alegre, Rafael Simões, volta a ser réu em ação de improbidade. Confira na entrevista com o Procurador da República Lucas Gualtieri

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Dinheiro público envolvido tinha como foco o atendimento hospitalar do SUS a pessoas menos favorecidas e sem plano de saúde no Hospital das Clínicas Samuel Libânio

O prefeito de Pouso Alegre, Rafael Simões, é acusado de valer-se de seu cargo como presidente da Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí – FUVS, de 2013 a 2016 – para desviar medicamentos e materiais do Hospital das Clínicas Samuel Libânio, inserindo atendimentos médicos fictícios e não realizados no sistema informatizado do hospital. Segundo depoimentos prestados e provas constatadas no sistema, os lançamentos dos valores dos produtos era feito com base na tabela do SUS, porque são mais baratos do que os da tabela relativa aos particulares; apesar da suposta internação – algumas que duraram minutos – serem feitas através de plano de saúde.

O dinheiro público envolvido tinha como foco o atendimento hospitalar do SUS a pessoas menos favorecidas e sem plano de saúde. O prefeito chegou a pagar, muito tempo depois, os materiais e medicamentos retirados irregularmente do HCSL com base na tabela mínima; alguns pagos quando já era prefeito de Pouso Alegre. Além do prefeito, duas outras pessoas também respondem à acusação.

A ação, movida pelo procurador da República Lucas de Morais Gualtieri, tramita na Justiça Federal em Pouso Alegre e já teve várias tentativas, através de recursos por parte dos acusados, para barrar o processo. A Justiça Federal, no entanto, apenas reduziu o valor de bens bloqueados mas, na última quarta-feira, 19 de junho, o desembargador Federal Olindo Menezes, negou provimento ao recurso e a ação de improbidade administrativa poderá ter continuidade.

Em entrevista exclusiva à TV Uai, o procurador da República Lucas Gualtieri deixou claro que a atuação do MPF neste caso, assim como em todos os demais, tem se pautado pela estrita legalidade, com o objetivo exclusivo de aplicar a lei em virtude do cometimento de atos ilícitos graves. Gualtieri relata que “esses fatos foram demonstrados com robusta prova documental e testemunhal, e contam inclusive com a confissão dos acusados, manifestada aos veículos de imprensa por ocasião da divulgação do relatório da comissão de sindicância que apurou os fatos”.

A TV Uai fez sete perguntas ao procurador para entender melhor esse outro processo, que corre paralelo à ação penal de peculato sobre a mesma questão.

TV Uai – 1 – Ao ser negado o agravo a ação continua?
Lucas Gualtieri – Sim. O agravo tinha por objetivo determinar que o juízo em primeira instância proferisse nova decisão de recebimento da ação de improbidade e a liminar assim determinou, bem como impôs a suspensão do processo em Pouso Alegre até o julgamento final do recurso. Nova decisão foi proferida, recebendo a ação da mesma forma que a decisão recorrida, porém, com fundamentos mais detalhados. Com isso, o Desembargador considerou que o agravo perdeu o objeto e extinguiu o recurso, o que tornou sem efeito a liminar que determinava a suspensão da ação, que voltará a tramitar.

TV Uai – São facultadas novas provas ou as que já estão no processo bastam para que a ação siga?
Lucas Gualtieri – A ação de improbidade – assim como a ação penal – ainda está no início, já que o trâmite processual foi bastante prejudicado pelos sucessivos recursos interpostos pela defesa dos réus, visando a impedir que a ação prosseguisse. Agora, com o recebimento da ação, será oportunizada às partes a produção de provas que reputem importantes para o julgamento da ação. As provas que já estão nos autos foram produzidas em sindicância administrativa e embora tragam elementos robustos e evidentes do cometimento dos atos de improbidade administrativa, ainda precisam ser renovadas em juízo, para que os réus exerçam o contraditório.

TV Uai – Os réus já estão intimados na recusa do agravo ou ainda serão?
Lucas Gualtieri – Ainda não consta dos autos do processo eletrônico a intimação formal da defesa dos réus, o que não significa que já não tenham tido acesso à decisão, já que o processo é público e pode ser acessado pelos advogados, por óbvio.

TV Uai – A indisponibilidade de bens é refeita?
Lucas Gualtieri – O agravo de instrumento cuja decisão foi proferida não se refere à decisão que determinou a indisponibilidade de bens dos réus. Em relação a esta decisão as defesas interpuseram outro recurso de agravo de instrumento, visando a liberar o bens bloqueados. Entretanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região apenas determinou a redução do valor bloqueado, para que se limitasse ao valor do dano apurado, sem incluir no bloqueio o montante a ser eventualmente pago pelos réus a título de multa, no caso de condenação.

TV Uai – Reconhecida a competência da Justiça Federal e que a Fundação não possui divisão de caixa, a entidade é também responsabilizada ou apenas quem praticou o desvio?
Lucas Gualtieri – A ação de improbidade ajuizada pelo MPF não tem por objetivo a responsabilização da pessoa jurídica, seja a FUVS ou o HCSL. A ação se volta contra as pessoas físicas indicadas como rés, sendo as pessoas jurídicas consideradas, em última medida, verdadeiras vítimas dos atos de improbidade praticados. A União também é indicada como vítima dos atos de improbidade praticados, já que estes implicaram em desvio de verbas federais, em última medida.

TV Uai – Quais as penas pedidas pelo MPF?
Lucas Gualtieri – Na ação de improbidade administrativa o MPF requereu a aplicação das penas previstas na Lei 8429/92, que se referem, basicamente, às seguintes: ressarcimento integral do dano; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. Além disso, o MPF pediu também a condenação dos réus ao pagamento de R$ 100.000,00 a título de dano moral coletivo.
Já na ação penal o MPF imputa aos réus a prática de 5 crimes de peculato (art. 312, CP), cuja pena prevista é de 2 a 12 anos para cada crime; e de 5 crimes de inserção de dados falsos em sistemas de informação (art. 313-A, CP), que possui a mesma pena do peculato.

TV Uai – Os atos de improbidade relatados têm prazo prescricional?
Lucas Gualtieri – Diferentemente do que ocorre com os crimes objeto da ação penal ajuizada, no caso dos atos de improbidade administrativa a lei prevê prazo prescricional apenas para o ajuizamento da ação. Como, no caso, a ação foi ajuizada muito antes do vencimento deste prazo, não há mais possibilidade de os atos de improbidade prescreverem.

Para finalizar, o procurador da República, Lucas de Morais Gualtieri lamenta que a Justiça Federal em Pouso Alegre não tem conseguido dar prosseguimento às ações, em virtude de uma série de recursos manejados pela defesa dos réus, com o objetivo de obstar o julgamento. Até o momento foram interpostos pelo menos seis recursos pelos acusados (três agravos de instrumentos, dois habeas corpus e um recurso em habeas corpus), em sua maioria visando a suspensão da tramitação das ações. Felizmente, esses recursos não têm sido acolhidos pelos tribunais, embora isso implique em demora considerável no trâmite das ações, com nítido prejuízo para o interesse público.

O  prefeito de Pouso Alegre, Rafael Simões, não comentou a decisão do desembargador Olindo Menezes.